terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Tão humano, tão humano



Tão humano quanto
Uma micose de dedão de pé
É um chamado das ruas
É um chamado do caminho
Ainda medonho, ainda incerto
Da certeza rica que me faz
Pobre, paupérrima para as gravatas
Que teimam em ter suas pontas
Balançadas pelo vento da pressa.

Macérrima é a aparência
Do meu corpo que procura bordas
Já que a alma se espalha espessa
No espelho de uma arte
A brilhar imensa.

Me interessa o arrebatamento
Das paredes do meu cortiço
Que aplaudem orgulhosas
Os versos densos, brotos,
Rotos de remendos em sins.

É que a velha luneta
Mira em mim, só em mim,
E numa arte que talvez me baste.

Tão humano, tão humano.

sábado, 25 de novembro de 2017

Conforto

Conforto


Conforto. Eu só queria conforto. Queria um lugar fora dessa luz branca, fria, incisiva como uma velha rancorosa. E o olhar desperto se assombra com a rigidez dos gemidos de quem está ali e não pode sair. Em cada quarto de hospital se encontra uma vingança dos corpos . Uma retaliação. Lei de Talião.
Aos médicos cabe a tentativa da não execução da desforra. Porém, os corpos são inclementes e trabalham até extinguirem os detalhes da Lei do Retorno aplicada empiricamente. A doença apodrecendo tecidos ainda úmidos e pegajosos, mostrando-se a mais honrada canibal dentre os civilizados. E apenas me resta resistir corajosamente, para que o banquete seja o mais nutritivo para esta vitoriosa combatente.
Não me pouparei ante esta grande inimiga. De tudo lhe darei: indolência, mesquinhez, violência, pequenez. Traição. E os amigos hedonismo e hipocrisia. Também a coragem de assumir tudo publicamente (creio que é com esta que a doença se fartará). Tudo que me restou deste campo de Marte em que vi os anos passarem. Não me vejo pronto para o conforto. Me enxergo apto para este incômodo personificado numa coceira que só existe nos circuitos elétricos do meu cérebro. É que a sensação acolhedora do meu velho par de sapatos de camurça marrom não é mais simétrica.  É uma sensação mórbida, a única a me confortar diante da notícia do enterro da minha perna direita.
Perdi primeiro o dedinho para uma ferida necrosada, em seguida o pé. O hospital teve que se haver com eles. Mas, a perna não. A perna foi sepultada em um caixão de criança pequena. Lhe faltaram as flores. Em lugar do choro houve a constatação, a estarrecedora certeza de que não há piedade em um corpo que se vinga.


E a morte não tem pernas curtas.

sábado, 11 de novembro de 2017

Cílios espessos

Cílios espessos

Onde havia cílios espessos agora existe breu. A escuridão se aproximou sorrateiramente, primeiro uma brancura na íris se apresentou aos poucos. O oftalmologista não foi consultado. E, como, enchente, a brancura conquistou o globo ocular.

Glaucoma devastador. Eles disseram, sem trazer luz alguma para aquele fim de túnel. Irreversível. Da forma mais cruel, perdi minha visão. Da forma com que lidei com quem sou. O negro se fez através do branco absoluto nas minhas retinas. Pressão arterial nas alturas, o descontrole interno de um corpo.
E, por fora, a necessidade absurda de controle dos espaços vazios.

Agora não mais conduzo a mim. Sou conduzida. Até mesmo pelos espaços que não encostam em minha pele, na relação tátil que agora tenho com o que está fora. Agora sou alguém castrada de seus impulsos. Devo criar uma disciplina que suplanta o corpo de outrora. Devo abraçar um preparo psicológico que sustente o preparo físico de toda a extensão da minha pele. Conquistar um autocontrole em relação à luz que não mais se faz presente.

Sou um ser sensação, um ser pele, um ser couraça visual, um ser que viu algo grande demais e que agora somente lhe resta escutar e tocar o grande. Com olhos injetados enxergo o dentro que sou, com pêlos arrepiados enxergo o fora que é. Olhos sem rímel. Cílios finos e claros.

Sou forma e sensação agora. A imagem, a estética que não me conduz, mas me guia, vem de pequenos brilhos na noite que se instalou nos meus olhos. Sou tato e audição. Sou aquela que se enxerga agora.


Stella Arbizu, 11/11/17







terça-feira, 10 de outubro de 2017

Perseguição revolta

Aquelas pernas grandes serviam para correr o mundo e medir a envergadura de uma perseguição revolta. Às vezes água fervendo, às vezes lodo opaco.
  Ela corria por ruas indomáveis e fugia de uma luta ardente. Sabia que precisaria de perfurações enérgicas para furar o terreno daquele embate secular. Tinha certeza de que seria a dona do petróleo daquela disputa suja.
  Seu inimigo baixo continuava incisivo e durante eras eles garimpavam em peneiras furadas, de onde divisavam o sol. Ele roubava, roubava todos os ganhos daquele embate: ouro, rubi, esmeralda, dentes, sangue e bílis. Desta forma, ela se sentia coroada por um bispo etéreo, num reino que poderia ser uma cratera profunda, uma montanha invertida. Ela batia nele como avalanche, derramando todo o seu corpo sobre ele. Ele revidava cruelmente golpeando do fundo de uma erosão temerária.
  Ela vencia, ele vencia.
  Só não percebiam que eles se vendavam.


Corro o mundo
Com pernas grandes
Onde cabe a envergadura
Dê uma perseguição revolta

Ruas indomáveis
Cheias de luta ardente
Repletas de perfurações enérgicas
Até encontrar o petróleo
Dono de uma disputa suja

Baixo inimigo mineral
Que durante eras
Nós garimpamos
Em peneiras furadas
Divisando o sol

Ouro, rubi, esmeralda
Dentes, sangue, bílis
Pertencentes a um corpo coroado
Numa cratera profunda

(Invertida montanha)

Tornemo-nos avalanches
Deste infinito embate
Eu venço, você vence

Nós vendamos.

sábado, 30 de setembro de 2017

Um homem nu



Um homem nu
Homem num
Político ato de desrecalque

Um homem nu
Homem num
Movimento orgânico

Um homem nu
Homem num
Modo renascido de existir

Um homem nu
Homem num
Desejo de iluminar mentes

Um homem nu
Homem num
Beijo em sua japonesa

Um homem nu
Homem num
Caminho de fazer pensar

Um homem nu
Homem num
Abraço que eu queria poder dar

Um homem nu
Homem 
Na minha poesia


terça-feira, 19 de setembro de 2017

Florescer




Um broto de flor de junho
Permeou em mim.
Eu de joelhos
Olhos no setembro vindouro
E em suspenso
Este florescer no rosto.


Espero desse jeito
Um suspiro entregue
Seu, jovem, sobre mim


Eu, em choro
Penso no momento breve
De te ter,
Meu ídolo, meu deus,
Em meu corpo,

Entregue em prece.




sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Locomove



Eu gosto de locomotivas
Gosto do vapor que transforma água em ar
Gosto do que me locomove
Loco move
Lo comove
Mo colove
Moco Love

Aquele amor bobo
Trouxa
Que evapora
Loco motiva a emoção
Lo
Loca









quarta-feira, 14 de junho de 2017

Banzo

Nem uma linha
Nem uma volta

Nem na metrópole
Nem na colônia

Nem euforia
Nem banzo

Nem presente
Nem futuro

Nem com você
Mas com outro

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Mais beleza ainda na obra de Sorrentino




Juventude, de 2015, é um filme de Paolo Sorrentino e contém a marca sensível recorrente em toda sua filmografia. Esta marca foi consagrada quando seu  A Grande Beleza foi premiado com o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2013.  Aqui é o meu lugar, de 2011, apresenta também a riqueza dos diálogos profundos entre os personagens.

O maestro aposentado Fred Bellinger (Michael Caine, Oscar de ator coadjuvante em 1987 e 2000) de férias em um hotel nos Alpes Suíços se relaciona com alguns dos hóspedes. Tais hóspedes são artistas e gênios no que fazem. O desenrolar da história se dá com as considerações dessas pessoas tão sensíveis, que têm a habilidade de filosofar sobre a velhice e a juventude, o prazer e a dor, o horror e o desejo.

Mick Boyle (Harvey Keitel, indicado ao Oscar de ator coadjuvante em  1991) é um diretor de cinema consagrado que divide o tempo passado no hotel entre o dolce far niente e a conclusão do roteiro de seu último filme, assessorado por sua jovem equipe de roteiristas. Ele considera este filme como seu legado definitivo como diretor de cinema. A relação entre ele e os roteiristas é um dos pontos de comparação que ele e seu amigo Fred fazem durante todo o filme. Eles criam uma parceria como compositores de uma partitura sobre o encanto da vida e da juventude. Tamanha beleza é pontuada pela fala de Mick: “– Você não percebe que estamos aproveitando o último idílio de nossas vidas?” para o mensageiro que interrompe o momento de admiração dos dois pela nudez da jovem e estonteante Miss Universo (Madalina Diana Ghenea).

Sorrentino, também roteirista, nos guia numa profunda reflexão acerca do passar dos anos, que justifica sua indicação para a Palma de Ouro de melhor direção no Festival de Cannes em 2015. Com a fotografia esplêndida de Luca Bigazzi - fotógrafo de seus filmes desde Aqui é o meu lugar-, que mostra a paisagem dos Alpes, ele coloca o espectador numa posição contemplativa, tão necessária ao processo criativo dos artistas de qualquer segmento.

A juventude e a velhice se contrapõem nos diálogos dos personagens com tanta sutileza que é necessário que o espectador compreenda a beleza com que os maduros vivem este tempo de ritmo mais lento, porém extremamente rico.  O filme declara amor à dialética de se ter maestria no que se faz, em um corpo com limitações. Sorrentino já havia abordado a questão da expertise quando o personagem principal de A Grande Beleza, o escritor Jep Gambardella (Toni Servillo), se via às voltas com os questionamentos de seus colegas ao fato de ter escrito somente um romance.

Rachel Weisz (vencedora do Oscar 2006 de melhor atriz coadjuvante) e Paul Dano (indicado para o Globo de Ouro 2014 de melhor ator coadjuvante), completam o elenco principal, do qual participam ainda Maradona, vivendo o papel de si mesmo, grande craque canhoto do futebol e Jane Fonda (Oscar de melhor atriz em 1980 e 1987) no papel da atriz favorita de Mick, Brenda Morel, que, de forma cruel, oferece o grande ponto de virada da trama.






segunda-feira, 24 de abril de 2017

Votos de amor

Tão grata, tão grata eu estava. E a gratidão me fez virar de ponta-cabeça naquele colchão no chão. E mirá-las. A mim só cabia agradecer ao escuro da noite, pouco depois da meia-noite, que é a hora de a chamarmos de bom-dia. A noite me iluminava através do fogo das estrelas que aqueciam minha pele e meu mais profundo vale de emoções. Eu não sabia o que poderia surgir após aquele momento, mas eu já tinha alcançado um estado de adoração que eu não rejeitaria nunca mais.


As estrelas me sussurraram que estava na hora de, novamente, roçar o tênue limite que nos separava, no seu, tênue limite também. Abracei suas pernas, a suplicar que seu corpo jamais descolasse do meu. E assim nossa combustão reacendeu, prometendo uma longa vida a dois. Não havia luz do luar naquela janela, nem reflexos do que quer que fosse, porque o brilho era nosso e competia com o incêndio de cada estrela.


Você me trouxe esta vida em que nos ligamos pelos laços prateados de nossos espíritos. E que ofertou sua beleza bivitelina e gentil ao aumento de nossa idade.

Este é o único motivo que me faz cantar estes votos e reafirmar que, após a maioridade de nossa união, te amo.

terça-feira, 4 de abril de 2017

Um léxico divertido.



Tem umas coisas na nossa cultura carioca que são repetitivas. E tenho que ser repetitiva ao insistir nesse tema de malhar os anglicismos no carioquês. Ou no design de interiores. Ou pior, na moda culinária.

Fui dar uns bordejos por aí e acabei entrando numa loja de panelas ma-ra-vi-lho-sas. Caréééérrimas. Você sabe quais são. E elas não são produzidas só em laranja e vermelho, como são anunciadas. Também vêm em amarelo, preto, ocean, verde. Uma loucura. São pesadas como seu preço. Porém, já me programando para o dia das mães, comecei a garimpar qual seria o regalo da minha progenitora.
Achei uma linda bacia de louça preta. Mas, daquela louça que você sabe que não trinca, que não quebra, que vai à mesa e faz bonito pra galera do Maraca. Perguntei o preço, gostei do preço, desviei o assunto para as cores, para as espátulas de silicone e fiz a pergunta implicante:
- Como é que vocês chamam essa bacia? Eu acho tão enjoado falar bowl...
- Bowl...
- Podia ser cuia, né? Cuia é mais nosso, mais raiz, mais nacional.
Hahahaha. A cara do vendedor modernoso foi surpreendente. Ele levantou as sobrancelhas, como se fosse a primeira vez que tivesse ouvido a palavra cuia, como se fosse proibido falar cuia naquela loja, ou até mesmo naquele shopping, ops, centro comercial. Me diverti. E resolvi fazer a compra depois, no mês que vem, quando meu cartão de crédito virar.

Ao sair da loja, comecei a pensar que iria levar meus dois adolescentes para andar de skate na cuia do Pontal do Recreio.  Quando anunciei para eles, as gargalhadas foram muitas e cuia é nosso código de diversão garantida. No skate e no léxico.  E eles droparam na cuia, caíram na cuia, ralaram o cu na cuia, rimos muito.

Esse chato desse anglicismo já me fez dobrar de rir, como quando uma amiga me contou que seus colegas publicitários resolveram postponar uma reunião.  Ridículo ou pathetic? Ela me contou isso enquanto tomávamos umas caipirinhas e comíamos uma linguicinha calabresa. Carga pesada para o fígado. Os incautos ficariam enjoados, mas, enjoado mesmo, é falar bowl.

Agora, me diz: e se eu tivesse falado coité?

terça-feira, 28 de março de 2017

Dois na pressão



Eu acho que eu posso comigo mesma.
Esqueço boas idéias.
Isso seria inenarrável, mas estou sem assunto.
Poderia falar da minha unha, que vem quebrando continuamente...
Certamente, você me diria que é falta de vitamina A. E eu falaria que os motoristas de ônibus dirigem perigosamente. Você me contaria que viu uma moça carregando o Código Penal, que não conseguiu se segurar numa curva e foi ao chão. E eu notando que você é observador e notou que era o Código Penal falaria que ela estava carregando o livro certo para enquadrar o motorista. Você riria de mim e eu notaria um certo brilho no olhar e que você levanta um pouco mais o canto esquerdo do lábio quando ri. Encantada, eu colocaria o indicador direito na boca, o da unha quebrada, para me certificar mais uma vez de que ela está quebrada. Um silêncio se estabeleceria entre nós, porque sou uma mulher escrevendo isso e sinceramente não sei o que se passa na cabeça de um homem numa situação dessas. Mas, Eros vem aqui e me sopra no ouvido uma gracinha e de repente você me diz que ainda bem que não tem ninguém segurando o Código Civil e eu com uma carinha de desavisada pergunto o porquê e você responde sorrindo que quer muito tomar um chope descompromissado comigo. Eu dou uma gargalhada aberta e você já sabe que pode pedir para o garçom dois na pressão.

domingo, 19 de março de 2017

Ela sabe

Ela sabe.
Sabe da opacidade.
Ela luta.
Luta ao lado de agentes duplos,
Que contam segredos
De um término constante
Numa certa manhã de domingo.


Ela luta.
Prefere o lado contrário do binóculo
Para divisar a trincheira inimiga
Enquanto o inimigo está ao seu lado,
Combatendo em cima do muro.


Ela talvez encontre
Sua paz, quando fronteiras se abrirem
E assim seus olhos
Enxergarem o jogo duplo
Do recruta ao seu lado
E de quem ela julga ser

Seu general.

Imagem de Elizabeth Levesque




terça-feira, 14 de março de 2017

Arco-íris

Eu vi o início de
Um arco-íris e
A manada de alces sem macho alfa

Removiam a terra
Em sua corrida selvagem
Nublando o arco-íris e aquela história já ida

A poeira assenta
A permanência do natural
E inequívoco estar

Esbarrando com o melhor pasto
A melhor senda
E o melhor criar



quinta-feira, 9 de março de 2017

Verdes


Só vou parar de te olhar
Quando teus verdes olhos madurarem
E me outorgarem a mais doce
Submissão.

sábado, 25 de fevereiro de 2017

Primazia

Escolher o desejo é primazia
Da liberdade, na
Gangorra entre o ardor e
As convenções,
O horror das convenções
E a extinção da chama que ainda não se mitigou.


A frivolidade é irresistível,
É uma perversão.
Está em comentários espirituosos
E na morada do prazer,
Na sucção da satisfação,
No sorver da pressa
Em encharcar o cérebro das emoções potentes
E devastadoras
Emprestadas à boca de um estômago lascivo e ácido.


Deixo-me ir, deixo-me seguir
O rastro lânguido e úmido
Da entrega e de um tremor obrigatórios
A quem apenas deseja.

Imagem Laura makabresku




sábado, 11 de fevereiro de 2017

Para muitas



Vestido curto cores elas me alegram minhas filhas ilhas de um amor oceânico profundo é a direção do amor de mãe de duas cópias minhas certezas minhas virtudes meus defeitos devo ter feito tudo certo vermelho acima na escala dégradé me agrada grades não me prendam nem a elas Tarsila e Janine ninei muito com a intensidade de quem se esvai da cidade e deixa somente um rastro rasgo de olhar maroto de um olho já roto e que ainda se surpreende com a luz e as formas das sombras sobra querer bem boa esta ocasião de vestir curto e arejado já que faz calor perto de nós dentro e foragido de alguma refrescância na pele suada e sua um pouco nossa nessa vontade de expandir através delas e das gargalhadas que damos mulheres unidas que somos não espero crescerem somos já únicas unidas em espelhos perfeitos peitos abertos peitos de fora e peito mulher de peito

Ave Maria nave mãe me carrega nos momentos unânimes de encheção de saco sacudo a cabeça espalho ideias de dias melhores filhas que uma mãe podia ter terra seca época dura nave mãe me faz voar num voal balançante de vento nas ventas nas vendas de almas que tardam a planar para longe léguas sete sorrisos me guardam a porteira passa passa período de iodo que não limpa minhas filhas roupas rotas rotas perdidas ave maria orienta meu caminho moinho a triturar verdades e sonhos

Uma fica outra vai mundo moinho sonhos vazios vadios vadia de fúria atiro no alvo branco de quem fez tudo e mais um pouco dinheiro muito amor tecendo rede de alento lenta fusão com uma partida com outra destino tino teimoso de quem erra e conserta certa emoção de chuva a cair.


Tempo temporal de voltas retornos entorno de mim lágrimas de felicidade dos netos pequenos e eu a chorar a vinda da que foi afoita aflita e chega agora agonia não colo para todos e mais um pouco.


Imagem de Mariano Vargas



domingo, 5 de fevereiro de 2017

Evocações infantis


Vi uma gravura hoje que fez com que uma lembrança me assaltasse para me levar o tédio embora. Foi um tipo de assalto diferente, porque deixou uma sensação de prenhez, de completude.

A gravura está na web. E é uma gravura simples, como simples era a vida que voltou de 40 anos atrás. Me lembrei de um trabalhinho de jardim-de-infância. Era uma folha de papel azul-escuro e a tia entregava para cada aluninho um copinho com um pouquinho de água sanitária e um cotonete, acompanhados de recomendações carinhosas de não pode molhar o dedinho nem botar na boca, porque faz dodoi. Como a pedagogia já foi politicamente incorreta... água sanitária na mão de pré-escolares ou, vá lá, de recém-alfabetizados. Na minha mão direita aquele cotonete molhado ia iluminando caminhos no azul-noturno. Fazendo formas brancas com bordas marrons que surgiam no degradé da escassez do líquido no pincel-cotonete. Eu fazia pintas invertidas de dálmatas, estrelas óbvias naquele céu plano e fascínio em mim mesma pelos efeitos da química doméstica. Prazer. Arte. Felicidade.


Tenho agora um domingo pleno. Evocações infantis alteraram meu estado hoje. Agora vivo, não apenas existo.



sábado, 28 de janeiro de 2017

à meia-noite você me fez um pedido



me pediu que trouxesse a lua para seus olhos e me pediu para morar em mim.

e eu querendo ser porta sem entrada. ser só saída proibido fumar. proibido amar.

sei que você é mais que eu. por isso a lua cabe no seu olhar. e sua morada é em você mesma.
pode ser que o tempo seja pouco. seja cronômetro madrigal na duração deste nosso caso.

é por isso que lhe cobiço nestas horas lânguidas e impressas, feitora. você é capataz deste meu querer. trabalho sem sucesso em me fazer senhor da sua estância.

melhor a distância. pedido negado. indeferido.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Ritual



Acorda. Corre para o banheiro. Abre o chuveiro se ensaboa enxágua seca com a toalha. Corre para encontrar uma roupa. Veste. Calça. Corre para a cozinha bebe o café do fundo da garrafa.

Acorda, esfrega os olhos, se espreguiça. Olha para o relógio, levanta e abre a janela, o sol tá bonito, lindo dia.  Não toma banho agora não. Sente o calor da sua pele. Respira fundo. Vai para a cozinha, joga o café de ontem na pia, bota a água para ferver. Observa a ebulição. Espera a transformação do pó, a extração de sua essência, em bebida. Enche a caneca. Saboreia. Aproveita esse ritual tranquilo. Refresca o ser. Liga para alguém para ir para a rua junto. Praia, Lagoa, mato. Tudo nesta cidade caótica. Encontra o querer bem em você mesmo.

Acorda, abre os olhos. Olha, enxerga quem está ao seu lado e ainda não acordou. Acompanha a respiração. Desce o olhar pela curva do pescoço, escorre o olhar pelo tórax. Fixa onde o peito bate. Sorria. Encosta a mão. Acaricia com a mais pura das intenções. Desperta o outro. Encontra os olhos. Deixa a lágrima escorrer pelo seu rosto. Agradece ao universo. Aceita o beijo. Chega mais perto. Recomeça a viagem das almas ao encontro. Suspira.


Acorda mais uma vez. Geme. Tenta se levantar da cama sem ajuda. Geme. Corre com passos lentos para o banheiro. Não deu tempo. Cuidado para não escorregar no molhado do chão. Volta para o quarto. Senta de novo. Geme. Implora ao universo o fim deste caminho interminável. Passa a mão no lado vazio da cama. Chora. Sufoca essa dor no peito que aumentou ao longo da ausência. Escuta a porta se abrir. Sorria. Pede ajuda e aceita.

domingo, 15 de janeiro de 2017

Exercício nr. 1: do forçar a disciplina.



É quando se começa a fase de transpiração, 99℅ de qualquer obra que preste. É sentir-se tocado por algo e se por a produzir, mesmo que só o óbvio, o repetido sejam ditos. Burilar as palavras com o cinzel na pedra: Rodin me abrace.

Fazer oferenda às musas, implorando que se aproximem para ver o esforço que se propõe diário. E que não tem frequência. Catapultar a sede de vida para o papel, destruindo as muralhas da inércia. Fazer dança com os pés esquerdos, apesar do silêncio da orquestra. Esquerdo com esquerdo apresenta algo positivo, união de sentidos nesta contra-mão de propósitos.

Que se espalhe massa cinzenta no chão feio de um crânio aberto, ideias espalhadas e  refletidas numa poça dourada de mijo. Que se extirpem  as palavras estagnadas, habitantes de alguma caverna inexplorada, mas que oferece um lago límpido, com conchas de um mar que lá esteve e transformou tudo em areia e solidão, dentro das profundezas de alguém atormentado.

Empalar o sentimento sedimentado que grita ao receber estacas de vigor. Querer sair. Querer oxigênio. Querer sabor.
Saber. Saber continuar no suor da criação. Saber ser.

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Para entender






Emagrecer
Finalizar tudo que foi iniciado
Parar de fumar
Beber só nos fins-de-semana
Ligar mais para a minha mãe
Procurar um novo emprego
Viajar

                                               Minha zona de conforto
                                                Comodidade
                                               Estagnação
                                               Ganho psicoemocional
           
                        Réveillon dormindo
                        Ócio nos feriados
                        Despertador quebrado
                        Cama por fazer

                                                                       Chefe pentelho
                                                                       Promoção que não chega
                                                                       Comida a peso
                                                                       Metrô lotado
                       
Colesterol alto
Possível embolia pulmonar
Barriga grande
Desejos não realizados

                                              
                                               Zona de conforto
                                               Zona de conforto
                                               Zona de conforto