Hoje encontrei um
velho amigo. A cor da tarde era de um dourado como a do chope com o qual
brindamos à nossa saúde. Impossível não gravar aqueles matizes na retina. Fiz
questão de gravá-los na retina do parceiro que se encontrava à minha frente e à
frente daquele pier povoado de passantes juvenis como a tarde. Eu me sinto
assim: juvenil. Este é um estado difícil de se disfarçar... juvenil... Poderia
ter pego qualquer bicicleta ou skate e me divertido sozinho por toda a orla.
Mas sozinho é uma condição que não habita mais em mim.
Voltei o assunto
para nossas tardes de verão, na anterior adolescência, quando, mais tarde,
pudemos dormir na praia depois de entornar num luau um garrafão de vinho
barato. Falei das putas que comemos, do Nense saindo da lanterna, na vã
esperança de disfarçar a presença dela, ali, inteira, como ela nunca poderia
estar, somente estaria nos meus anseios.
A cada gole de
chope eu engolia um dos suspiros que teimavam em sair quando eu me distraía e,
calado, me dava conta de que um homem de 1,90m também suspira.
Até que depois de
pedir mais uma rodada, meu velho amigo perguntou quem é ela. Ela. Ela é quem
não pode ser. E um pouco surpreso, totalmente aliviado, sinceramente aborrecido
pela sensibilidade do meu amigo ter sido desperta e sem ter notado que eu é que
estou dando muita bandeira, eu disse:
- Ela não existe.
- Ah, num fode!
- Não existe ela!
- Você vem falando de
luz dourada e não tem mulher no meio?
- Pôrra, eu curto
fotografia! A gente não se vê há tanto tempo que eu nem sei sobre sua aliança
dourada aí e você não sabe nada sobre as minhas fotografias.
- Não enrola... quem
é ela?
- Não tem ela, cara!
Se eu expus sua
presença jamais revelaria seus modos, seu andar, seu hálito. Meu amor por o que
temos é demasiado cuidadoso para que eu o compartilhe com alguém mais. Mesmo
sabendo que ela se nega a um novo encontro, minha insistência não cede, nem seu
desejo refreia.
Se ela expôs minha
presença e revelou meus modos, meu nome e meus hábitos e, pior ainda, se
caminhos antigos voltaram a se cruzar, bem fiz eu em negar sua existência.
Se ela expôs a
origem da jovialidade renascida, após anos de convívio rotineiro, ela a expôs
resplandecendo dourada na retina de quem pôde vê-la.
Se ela pagou o
preço dessa exposição, se ela desestabilizou uma união com filhos, a mim, só me
resta aguardar, só me resta a espera de um sorriso cúmplice.
Por isso, com o sol
se pondo, pedi a conta e fui embora assobiando.