Arraial do Cabo, distrito da
Figueira. A praia quase deserta em termos de verão no Brasil. Sua areia branca
reluzente sorri como os dentes saudáveis de uma princesa de ébano. Ela se espreguiça em sua canga cheia desta
areia, que o vento terral carrega e cola em sua pele hidratada pelo protetor
solar. Ela senta e olha as ondulações perfeitas em que deslizam seus amigos
surfistas de tantas décadas e tantos verões.
Ela se levanta, veste o short e
o top de lycra por cima do biquíni. Pega seu bodyboard e os pés-de-pato e cai no mar. A água está gelada. Sua
pele se arrepia toda sentindo o contraste térmico do calor na areia e o
envolvimento do mar. Ela rema até depois da arrebentação e pergunta para sua
galera de tanto tempo de parceria se seu filho novato no surfe estava se
comportando bem dentro da etiqueta do esporte. Os veteranos tão parceiros
respondem que quem está aprendendo tem direito a dar uma enrabeiradazinha em
quem já está com a pele enrugada de tanto tempo dentro d’água.
Enquanto esperam as ondas, conversam
sobre os dias nas temporadas passadas, principalmente sobre um inverno em que
uma baleia jubarte apareceu bem perto da arrebentação. Lembraram-se também de
Sol e Júpiter, os golfinhos que espantavam os cações de perto de suas pranchas
e pernas.
Um dos amigos avisou que a
rainha subiu, a maior das ondas da série, e eles todos começaram a remar, cada
um se esforçando para surfar em sua onda naquele mar que quebra ondulações
perfeitas, de esquerda e direita. Não que as ondas tivessem convicções políticas,
até rola esse papo enquanto eles ficam esperando a série, mas esquerda e
direita no surfe é para qual direção a onda vai quebrar. Surfaram e voltaram
remando para o pico, depois da arrebentação.
Ela gritou avisando que a rainha da nova série
era dela. E remou forte para surfar a maior onda naquele momento. Ela fez manobras perfeitas e foi até a areia
em seu bodyboard. Ali, avistou um antigo amor caminhando pela beira do mar.
Rapidamente saiu da água e começou a se livrar do equipamento até que ele a
alcançasse. Mas, o tempo é inclemente e o homem somente a cumprimentou e ela
notou sua aliança de casado. Desapontada, deitou-se na areia fina e branca
daquela praia, sentindo o calor dos grãos aquecidos em todo o seu corpo.
Naquela praia ela podia se
cobrir toda com a areia. Começou jogando aos poucos em cima das pernas, depois
na barriga e tórax. E ficou lá, sentindo o peso daquele monte de areia aquecida
pelo sol esquentar seu corpo. Sentia-se tão integrada àquele ambiente que
nenhum contratempo poderia tirar a sensação de bem-estar que mais um verão
naquele lugar mágico e desabitado causava nela. A natureza a revigorava com
toda sua força criadora e ela sabia que a volta ao trabalho seria plena de
vitalidade. Nem pensava em afazeres domésticos, já que o almoço tinha sido
preparado na noite anterior e ela sabia que descansaria na rede, ao sabor de
uma brisa convidativa a uma pestana, com o barulho das palmeiras que embalava o
sono após a refeição.
O calor que sentia era somente
um sentimento morno, de prazer gostosinho, aquele que envolve quem tem a sorte
de vivenciar férias extremamente tranquilas. Filho junto, amigos leais, uma
rede embalada pelo vento e a certeza de estar pronta novamente para o que der e
vier.