quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

A praia



Arraial do Cabo, distrito da Figueira. A praia quase deserta em termos de verão no Brasil. Sua areia branca reluzente sorri como os dentes saudáveis de uma princesa de ébano.  Ela se espreguiça em sua canga cheia desta areia, que o vento terral carrega e cola em sua pele hidratada pelo protetor solar. Ela senta e olha as ondulações perfeitas em que deslizam seus amigos surfistas de tantas décadas e tantos verões.
Ela se levanta, veste o short e o top de lycra por cima do biquíni. Pega seu bodyboard e os pés-de-pato e cai no mar. A água está gelada. Sua pele se arrepia toda sentindo o contraste térmico do calor na areia e o envolvimento do mar. Ela rema até depois da arrebentação e pergunta para sua galera de tanto tempo de parceria se seu filho novato no surfe estava se comportando bem dentro da etiqueta do esporte. Os veteranos tão parceiros respondem que quem está aprendendo tem direito a dar uma enrabeiradazinha em quem já está com a pele enrugada de tanto tempo dentro d’água.
Enquanto esperam as ondas, conversam sobre os dias nas temporadas passadas, principalmente sobre um inverno em que uma baleia jubarte apareceu bem perto da arrebentação. Lembraram-se também de Sol e Júpiter, os golfinhos que espantavam os cações de perto de suas pranchas e pernas.
Um dos amigos avisou que a rainha subiu, a maior das ondas da série, e eles todos começaram a remar, cada um se esforçando para surfar em sua onda naquele mar que quebra ondulações perfeitas, de esquerda e direita. Não que as ondas tivessem convicções políticas, até rola esse papo enquanto eles ficam esperando a série, mas esquerda e direita no surfe é para qual direção a onda vai quebrar. Surfaram e voltaram remando para o pico, depois da arrebentação.
 Ela gritou avisando que a rainha da nova série era dela. E remou forte para surfar a maior onda naquele momento.  Ela fez manobras perfeitas e foi até a areia em seu bodyboard. Ali, avistou um antigo amor caminhando pela beira do mar. Rapidamente saiu da água e começou a se livrar do equipamento até que ele a alcançasse. Mas, o tempo é inclemente e o homem somente a cumprimentou e ela notou sua aliança de casado. Desapontada, deitou-se na areia fina e branca daquela praia, sentindo o calor dos grãos aquecidos em todo o seu corpo.
Naquela praia ela podia se cobrir toda com a areia. Começou jogando aos poucos em cima das pernas, depois na barriga e tórax. E ficou lá, sentindo o peso daquele monte de areia aquecida pelo sol esquentar seu corpo. Sentia-se tão integrada àquele ambiente que nenhum contratempo poderia tirar a sensação de bem-estar que mais um verão naquele lugar mágico e desabitado causava nela. A natureza a revigorava com toda sua força criadora e ela sabia que a volta ao trabalho seria plena de vitalidade. Nem pensava em afazeres domésticos, já que o almoço tinha sido preparado na noite anterior e ela sabia que descansaria na rede, ao sabor de uma brisa convidativa a uma pestana, com o barulho das palmeiras que embalava o sono após a refeição.
O calor que sentia era somente um sentimento morno, de prazer gostosinho, aquele que envolve quem tem a sorte de vivenciar férias extremamente tranquilas. Filho junto, amigos leais, uma rede embalada pelo vento e a certeza de estar pronta novamente para o que der e vier.


segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Ideias



Mudar de ares, era o que ela precisava. Sabia disso com uma certeza que lhe rasgava o cérebro e doía, muito. Nestes momentos de calvário, seu temperamento fantasioso a fazia escapar para suas invenções típicas de uma era futurista, onde ela certamente se sentiria mais em casa.
Ela sentia sobre sua cabeça nuvens carregadas de mau augúrio, porém, de forma otimista, entrava em devaneio elaborando gigantescos ventiladores suspensos na atmosfera que seriam capazes de soprar as nuvens pesadas para o mar e fazer o sol aparecer no clima de qualquer cidade, estado ou país. Ela se sentia como se fosse esse estado, em que os meteorologistas dão a previsão de chuva constante com rajadas de ventos fortes, provocada pela formação de cumulus nimbus em todo o litoral.
De repente, algo a fazia aterrissar. Um alerta, um aviso que sua mente lhe enviava para se conectar com a realidade novamente e saltar no próximo ponto de ônibus. Trabalhava pesado como balconista de farmácia, mas estava juntando dinheiro para poder fazer o curso de edição de imagens. Adorava cinema, mas fazia tempo que não assistia a uma sessão, porque o preço do ingresso anda estratosférico. Curtia a TV a cabo pirata em casa, assumindo sua condição de escapista.
Enxergava no curso de edição de imagens uma chance de trabalhar com o que realmente gosta. Imagens, cinema, televisão.  E ter um bom salário, compatível com sua capacidade criativa. A cada manhã, na fila do ponto de ônibus para voltar ao trabalho, imaginava seu teletransportador, que a levaria ao trabalho em questão de segundos e economizaria 90 minutos de sua preciosa vida.
Ainda faltava o dinheiro suficiente para ela poder se alimentar durante o curso. Apesar de ser quase uma lunática, tinha os pés no chão para concretizar seu sonho. Dentro do ônibus, pensava em fazer uma parceria com nutricionistas, para poder se alimentar das cascas dos alimentos e receber a mesma carga de nutrição deles. Assim, não demoraria tanto tempo trabalhando na farmácia.
Já era hora de saltar do ônibus para enfrentar mais nove horas em função de atividades laborais. Não, ainda não podia mudar de ares. Faltava pouco para poder estudar o que queria. Gostaria de poder oferecer um sabonete que já fosse repelente de mosquitos, mas não era hora. O momento era de atender bem e com delicadeza. E juntar mais dinheiro.