Sento-me para
almoçar com ela, depois de servi-la. Passou a vida inteira sendo a última a
sentar-se à mesa, cultura de seu povo em Barcelona. Agora, do alto de seus 93
anos, tem todo o direito de falar e fazer o que quiser e sou eu que me deleito
a ouvir repetidas vezes suas histórias de cuando era niña.
São situações
contadas de forma randômica, e, incrivelmente verdadeiras, riquíssimas em
detalhes. Posso mirar toda a paisagem, todo o ambiente das décadas de 20 e 30
do século passado. Estoy nas ruas de Poble Sec, nos bailes para namorá-lo, na
loja de lustres de cristal.
Antes disso, estoy
sendo mandada para o interior, para la hacienda de mi abuela, com mis dos hermanitos,
por causa do racionamento de comida durante a Revolução Civil. Passamos a noite
viajando de trem, de Barcelona a Valencia, de Valencia a Alcoy. De Alcoy a
Planes, tomamos un ónibus. E llego a Planes aos catorze anos, para ter o que
comer e fazer companhia a minha amada avó.
Vou trabajar na
colheita de azeitonas, porque não sei quedarme inerte. Gosto tanto, que sou llamada
para trabalhar em outras colheitas. Trabalho por duas e, por meu corazón
compassivo, soy dupla de una enbarazada.
Aos domingos, dia
de descanso e de sol, o vento vem hacerme más feliz. Ao meio-dia, subo ao sótão
da casa de mi abuela para ver o trigo no campo balançando dourado enquanto o
vento, ah, el viento...
Después, vuelvo a
Barcelona, onde ando pelas ruas com uma moda só minha, porqué no tengo
hermanas. Y miro a él. Él mirando a mi. Gosto dele porque tem el rostre
pequeño, de carotas basta mi família. E ele é eletricista e me segue de longe,
eu vejo. Eu gosto dele.
É a vida dela que
ficou em detalhes para mim. Se pergunto como foi a vinda para o Rio de Janeiro,
de navio, ela não se lembra. Sei dos detalhes porque minha mãe, com sete anos
na época da vinda, me contou. Meu avô veio antes para preparar a chegada dela e
dos três filhos. E ele impediu que eles desembarcassem em Marrocos: imaginem
uma linda mulher com uma filha loura de olhos verdes e dois filhos morenos,
crianças de sete, cinco e três anos, passeando por Marrocos em 1952... Sequestro,
na certa. Mas, ela não se lembra. Esta parte da história não é dela e sim de
sua filha. E minha. Dela, é o meu corazón.