sábado, 27 de agosto de 2016

Baixinha



“E aí que a cigana que mora dentro daquela baixinha morena de cabelos pretos escorridos falou que eu ia encontrar uma nova parceira. Eu disse que não, porque gostava tanto da minha namorada, que a gente se dava tão bem. Não concordei com ela, sou desconfiado. Não gosto dessa coisa de oráculo, pra que saber do futuro? Mas, algo nos olhos da baixinha me chamou, talvez tivesse sido seu cérebro e a maneira alegre de viver que contagia quem está por perto.

A baixinha é confiante, me disse que meu instrumento é mesmo o Reiki, mas que o dela é o Baralho Cigano. E que meu dinheiro investido serviria para tomar algumas resoluções nesta vida. Mas eu sou desconfiado que nem um cigano velho que te olha misteriosamente nos olhos, te desvendando por inteiro.

E aí que ela acertou mesmo. Minha vida virou por uma nova paixão, uma mulher mais velha que eu, mas com tanta juventude na risada que me faz sentir o peso dos caminhos que percorri. Ao mesmo tempo, aquela gargalhada me renova, me enche de frescor e me faz ver que a vida é para ser vivida com quem a gente ama num encontro de almas.

O fato é que a cigana da baixinha me assusta. Eu a encontro nos lugares mais frequentados do nosso bairro e a cumprimento. Nossos grupos se congregam e às vezes me vejo sentado ao lado dela em uma mesa de bar. E sinto pavor, respeito e vontade de correr dali. Temo que ela me diga coisas como as que me fizeram mudar de vida. Temo seu olhar inquisidor. A baixinha aproveita a noite se divertindo, nem me dando atenção e eu fico tenso com o que ela possa ver dentro de mim. Existem pessoas que desvendam seus segredos no olhar.

Não relaxo. E ela ri junto com minha mulher e daí eu temo que minha mulher queira se consultar com ela e que surja um outro alguém em sua vida, assim como surgiu na minha. Criei uma fantasia que me diz que a cigana da baixinha é capaz de materializar o que lê em nossos jogos.

Até que ela me segura pelo braço e me diz que não está atendendo e que eu me tranquilize. Que o instrumento dela é o baralho cigano e que ele não está naquela mesa, naquele momento. Fico calado. E pensativo.

Como foi que ela sabia o que eu estava pensando?”



quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Cidade salgada

Outro polvo se aproximou
Ao me tornar enguia
Tentáculos se espalhando
Pela cidade salgada

Tinta preta nos muros,
O asfalto chocado
Com a avidez das ventosas

Cidade elétrica, cidade mar
E alguma água
A banhar desejos.

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

CHAMADO EM CH


Você é chique.
Você tem charme.
Chá, chocolate ou chope?
Chope, noturnos em chope.
Chopin com chope?
Chopin com champanhe?
Chopin com conhaque?
Chopin numa choupana. Chuva forte favorece enchentes.
Debussy com o quê?
Debussy com saquê?
Debussy nos abraços.
Me debruço nos seus braços.
Seu peito, parapeito.
Seus olhos, minha vista.
E a enchente transborda pelos poros.
E assim se faz do charco vida.