“E aí que a cigana que mora dentro daquela baixinha morena
de cabelos pretos escorridos falou que eu ia encontrar uma nova parceira. Eu
disse que não, porque gostava tanto da minha namorada, que a gente se dava tão
bem. Não concordei com ela, sou desconfiado. Não gosto dessa coisa de oráculo,
pra que saber do futuro? Mas, algo nos olhos da baixinha me chamou, talvez
tivesse sido seu cérebro e a maneira alegre de viver que contagia quem está por
perto.
A baixinha é confiante, me disse que meu instrumento é mesmo
o Reiki, mas que o dela é o Baralho Cigano. E que meu dinheiro investido
serviria para tomar algumas resoluções nesta vida. Mas eu sou desconfiado que
nem um cigano velho que te olha misteriosamente nos olhos, te desvendando por
inteiro.
E aí que ela acertou mesmo. Minha vida virou por uma nova
paixão, uma mulher mais velha que eu, mas com tanta juventude na risada que me
faz sentir o peso dos caminhos que percorri. Ao mesmo tempo, aquela gargalhada
me renova, me enche de frescor e me faz ver que a vida é para ser vivida com
quem a gente ama num encontro de almas.
O fato é que a cigana da baixinha me assusta. Eu a encontro
nos lugares mais frequentados do nosso bairro e a cumprimento. Nossos grupos se
congregam e às vezes me vejo sentado ao lado dela em uma mesa de bar. E sinto
pavor, respeito e vontade de correr dali. Temo que ela me diga coisas como as
que me fizeram mudar de vida. Temo seu olhar inquisidor. A baixinha aproveita a
noite se divertindo, nem me dando atenção e eu fico tenso com o que ela possa
ver dentro de mim. Existem pessoas que desvendam seus segredos no olhar.
Não relaxo. E ela ri junto com minha mulher e daí eu temo
que minha mulher queira se consultar com ela e que surja um outro alguém em sua
vida, assim como surgiu na minha. Criei uma fantasia que me diz que a cigana da
baixinha é capaz de materializar o que lê em nossos jogos.
Até que ela me segura pelo braço e me diz que não está
atendendo e que eu me tranquilize. Que o instrumento dela é o baralho cigano e
que ele não está naquela mesa, naquele momento. Fico calado. E pensativo.
Como foi que ela sabia o que eu estava pensando?”