quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Da luz do sol



Da luz do sol jorrando direta sobre as nossas existências explodem som e calor para impulsionar a vida para fora. O vapor do asfalto é um desafio, um acinte, um inimigo formado por um fenômeno ótico. A luz. Lá fora.

Mas, quando a luz do sol vem quebrada, quando ela, mesmo sendo a do meio-dia, resolve entrar por sua janela e se depara com sua cortina de renda, ela resolve se abrandar e presentear-lhe com um requinte de matizes do branco que vão passando pelo marfim, pelo nude até chegar ao bege. O bege.

Porque a luz, suave, se molda, se encaixa, colore reentrâncias, suaviza penumbras e seduz. Seduz seu corpo, sua mente, sua alma, seu espírito. E há calma, há responsabilidade e consciência nesse jogo de luzes. No palco do seu quarto, sedutora e seduzido são os astros do show, brilham.

E a plateia observa enlevada.

terça-feira, 13 de setembro de 2016

Inhaúma.



Estava na Avenida Automóvel Clube, que é a mesma do shopping center onde levo minha família para almoçar aos domingos, dirigindo atrás de um rabecão. A bem dizer, o rabecão parecia um jatinho de tão velozmente que era conduzido. O motorista não respeitava sinalização, fechava os outros carros e ultrapassava perigosamente. Parecia que o defunto estava com pressa, assim, com medo de chegar atrasado ao próprio enterro. Eu imaginei que este seria no Cemitério de Inhaúma, que é o campo dos mortos mais próximo daquela região.
            Até que, em um cruzamento, o caminhão que vinha velozmente não conseguiu frear quando o rabecão ultrapassou o sinal vermelho. O acidente foi espetacular. O carro da funerária foi lançado longe e capotou. E dois defuntos foram expostos quando seus caixões chocaram-se contra o chão e se desfizeram. O motorista se tornou o terceiro defunto. O cenário do acidente era inacreditável: dois mortos no chão preenchendo suas penúltimas moradas quebradas e outro ainda sangrando pelos ouvidos, no chão também.
            Quem passava tinha dificuldade para entender. Porém, populares chamaram o Samu, os bombeiros e a polícia militar. Na avenida, os carros paravam para ver aquela cena surreal e um enorme engarrafamento se fez, atrasando ainda mais a chegada das autoridades. Quando enfim chegaram, mais uma confusão foi armada. Eles não sabiam qual dos três serviços públicos assumiria a responsabilidade pelos mortos já nos caixões. O finado motorista, ainda quente, foi removido pelos bombeiros, já que a causa mortis tinha sido acidente de trânsito. A polícia militar tentava segurar no local os integrantes da equipe médica do Samu, que nada podia fazer, já que só havia restado dois mortos que já estavam mortos. Não queriam assumir a responsabilidade por quem já tinha um atestado de óbito para chamar de seu.
            O tempo passava e os cadáveres continuavam no chão, somente tocados pelos pombos que ainda faziam algazarra numa avenida tão trafegada. Os soldados da PM tiveram a ideia de procurar o atestado de óbito dos dois dentro do rabecão capotado. Quando um deles entrou no carro da funerária, seu peso o desestabilizou e este acabou tombando de lado com o PM dentro, que quebrou a perna naquele momento. Mesmo com este sinistro, o Samu não quis atendê-lo porque não queria avariar a cena do acidente para uma possível perícia. O segundo PM não sabia o que fazer, estava achando aquela missão complicada demais para seu entendimento. Acabou chamando seu superior, o sargento Calçada, e continuou estarrecido com o panorama tragicômico estabelecido naquela área tão próxima a um cemitério.
            O sargento Calçada demorou muito para chegar, porém, assim que o fez, entrou em contato com a central de polícia para que a funerária fosse acionada. O gerente da funerária chegou ao local, mas o Samu o alertou de que ele não poderia remover dois corpos do chão de uma rua porque não era uma autoridade pública. A lei teria que ser consultada. Como era domingo, o gerente não conseguiu encontrar o advogado da funerária, então sentou no meio-fio e chorou. Nada havia a fazer.
            O sargento Calçada deu ordens para que seus soldados desafogassem o trânsito da região que começou a fluir. E ficou dentro da viatura ainda avaliando que os familiares não poderiam localizar seus mortos porque eles já haviam sido liberados pelo Instituto Médico-Legal. O gerente da funerária parou de chorar e ligou para os familiares, seus clientes, que, exasperados, cancelaram os enterros.

            Os corpos e seus caixões ainda estão lá na Avenida Automóvel Clube, hoje, terça-feira, aguardando a sentença de um juiz que seja inteligente o suficiente para entender os trâmites desta situação inusitada.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Terral




Ser leme me orienta
nesta água que fluí
sobre a sua piscadela
numa mesa de poesia e arte

Um tubo perfeito
tremula
sobre um terral
incerto

Tempo de distâncias

Estar perto é
uma arrebentação que
nunca chega


Remar é preciso.

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Dança

Sou metade louca do que já fui
Transpassava poros
Ria na cara pra depois cuspir no chão
Escorregava, saía dançando


Não que eu ainda não dance,
Não que eu não me canse
De estar enquadrada


É que agora a música
Toca mais baixo.