“Foi assim, seu delegado: caiu um raio que o Senhor Jesus
mandou e matou eles todos, depois da ventania apagar a tocha que ia tocar fogo
no micro-onda que o Clairton estava. Matou eles, mas jogou o micro-onda pro
alto, porque a borracha é isolante, o senhor sabe. Só que quando caiu no chão,
o micro-onda com o Clairton dentro foi rolando ladeira abaixo, rolando, rolando
até chegar na metade do morro onde eles tinha feito uma barreira de cimento. É
por isso que Clairton não consegue dizer coisa com coisa, ele tá tonto até hoje
de tanto que rodou dentro do micro-onda que o Senhor Jesus fez de proteção do
raio. Foi uma bença, um livramento. Eu não ligo dele tá assim doidinho, o
Senhor Jesus é maior, vai fazer ele voltar a falar as coisa normal logo, logo. A
pastora lá da igreja já fez o culto glorificando esse meu livramento do meu
filho.
Mas ele foi parar dentro do micro-onda por causa da briga
que eu tive com a piriguete da Keisiany, que era uma das mulheres do Jorge
mão-de-urso, o chefe do morro. A gente tava na lan house do morro porque eu
tinha que matricular o Samuelzinho, meu neto, filho do Clairton meu filho, no
primeiro ano e era o último dia. A rampeira queria que o menino da lan house
passasse ela na minha frente e eu já tava muito enfezada com ela e sem mesmo
ela falar, larguei a mão na fuça daquela piranha, que eu não sou de levar
desaforo pra casa. O senhor me desculpe esse meu jeito de falar, mas eu sou
assim mesmo, o que eu tenho que dizer eu digo mesmo, sempre foi assim e não vou
levar nada pro caixão não.
Aí ela veio pra cima de mim, querendo arrancar os meus bobs
porque eu tinha acabado de alisar meu cabelo, na minha idade a gente ainda faz
isso, e tinha sido lá no cafofo da Auxiliadora, que é lá que eu aliso o cabelo,
que a Dona França me contou que tinha visto a Keisiany sair do meu barraco com
uma sacola de mercado na mão. Aí eu entendi que Satanás tinha mandado ela. Foi
ela, seu delegado, que tinha roubado o saco com o último resto de arroz da
minha prateleira e me fez descer o morro de novo pra comprar arroz pra poder eu
fazer a marmita do meu filho Clairton ir trabalhar no dia seguinte. Mas eu dei
muito na Keisiany por causa que tenho braço de lavadeira, mesmo tendo essa
minha idade, ela saiu sangrando.
Eu sei que começaram a espalhar que ela fez queixa pro Jorge
mão-de-urso e ele jurou que o Samuelzinho ia ficar sem pai e eu sem filho. Mas
Deus é mais! Eu orei demais ao Senhor Jesus, que é o quarto homem da fornalha e
Ele mandou aquele raio que queimou Jorge mão-de-urso e os cupincha dele e
mandou meu Clairton pro alto, protegido pela borracha dos pneu.
Acabou que foi um livramento por agora, porque se o senhor
não mandar encher o morro com sua gente, vai começar a guerra entre os comando
pra ver quem é o novo chefe e vai ser aquela chuva de bala perdida e os
inocente pagando o preço dessa vida maldita. ”