Quando Hans chegou à quadra da
Mangueira, a bateria já estava no esquenta. Isso porque seus amigos cariocas
haviam feito seu próprio esquenta do lado de fora, tomando cervejinha e fazendo
questão de inserir o alemão no jeito carioca de ser. Do lado de dentro da
quadra, Hans se impressionou com aquela sonoridade tão peculiar para seus
ouvidos germânicos e olhou tudo ao seu redor, toda aquela gente rindo e
bebendo, gingando para um lado e para o outro, cheia de uma alegria semanal,
despontada pelo torpor necessário a alguma sanidade urbana.
Hans foi contagiado pela leveza
de seu agir e deixou de contaminar seus parceiros de pesquisa científica (seus
amigos no Rio de Janeiro) com a polidez e a distância de uma quarta parede
imposta por atitudes germânicas. Ele sorria e se maravilhava com o samba da
Mangueira. Bebia e falava em Português efusivamente, ciente de que também era
parte daquela massa festiva.
O que ele não esperava era a
entrada de toda a bateria para o início do samba-enredo. A musicalidade dos
bumbos, tan-tans, ripiniques, tamborins e chocalhos invadiu seus ouvidos de tal
forma que seu rosto tinha a expressão de um sobressalto, de um espanto, de um
maravilhamento próximo a uma conquista bárbara. Êxtase e paixão eram os
sentimentos que o dominavam, a ponto de deixá-lo estático e boquiaberto. O
gringo não aguentou a pressão da mais pura carioquice naquele fim de primavera
no Rio de Janeiro. Seu amor pelo samba explodiu.
E ficou assim, bobo, observando
e sendo observado na quadra da Mangueira, encantado com os quadris e os pés das
passistas, enlevado pelo tremular do pavilhão verde-e-rosa, dignamente
defendido pelo mestre-sala e sua porta-bandeira. Seus amigos entenderam tanto brilho
no olhar e o deixaram aproveitar aquele momento único, marcante, inesquecível
para um alemão esforçado em se entrosar.
Eles perceberam esta vontade
nele quando, num bar da Lapa, atendendo a um pedido maroto, ele reproduziu em
alemão uma piada muito carioca, a da aranha surda, e todos, de pilequinho,
riram até se acabar. Hans tirou muitas fotos da Lapa à noite e ficou de voltar
de dia, de preferência acompanhado com a amiga da mulher de um dos
pesquisadores, aquela que não tinha seios tão grandes assim para um critério
alemão.
Porém, na quadra da Mangueira,
alguém o tirou do encantamento empurrando outra lata de cerveja. Ele suspirou.
Jamais esqueceria a maior experiência auditiva de sua vida. A maior experiência
de comunhão com a alegria de um povo feliz, ciente de sua luta, e que extravasa
a dor no samba e pelo samba.