terça-feira, 28 de junho de 2016

Naïve




Ficou faltando dizer
que é por causa do inefável
que é por causa do intocável
que é por causa do júbilo.

Não é por causa da ametista
nem por causa da artista
tampouco por ser egoísta

É mais pela brincadeira
é pela flecha certeira
cravada naquele alvo
alvo, quase róseo, quase carmim.

É só porque sou a crédula
que regurgita uma fábula
que não traz nenhuma cédula
mas te concede medalhas.


E te tira do diário.



quarta-feira, 22 de junho de 2016

Gravidade



Para alguns, a gravidade é mais forte. São aqueles que não pensam que Stairway to Heaven foi feita para eles. Aqueles que sentem a dureza dos dias. Aqueles para os quais só há saída nos fins-de-semana. A quem nenhuma oração conforta. Nem relaxa.
            Há outros que cantam mais suave. Que dançam na roda da noite. Que flutuam em ares perfumados e boiam numa maré leve. Os que fazem de seus dias a luta da fé e da vontade uma luta vitoriosa.
            Baco se comporta de formas diferentes para cada círculo. A uns serve como um arauto do vício diário, trazendo dor e sofrimento para quem os rodeia. A outros propicia hedonismo e a leveza das comemorações. Escolha para chegar lá sorrindo ou se lamuriando.
            Abrir as janelas para a luz entrar primeiro e vê-la exibir as partículas de poeira dançando em seus raios ou até mesmo observar o sol na faixa diagonal estampada no asfalto pode vir a ser uma desaceleração do ritmo do mundo cão. Um olhar menos inquisitivo e mais amável transforma corações duros em gelatina de morango. Saborear uma profundidade vinda do sorriso, do brilho nos olhos e de uma gravidade em que se anda saltando. Bailar por dentro no caminho à subsistência.
            Há que se fazer a transformação da lida do dia-a-dia. Trazer o horizonte para perto. É a partir de si que a vida flui. Lembrar que mesmo neste mundo cão, se tem o direito de ir ao shopping calçando havaianas. Sentir-se livre.
            Faça sua mudança. E lembre-se que o mundo cão pode virar um doguinho. Só depende de você.

           

            

sexta-feira, 10 de junho de 2016

O melhor dos mundos


Não há quem não tenha pensado, uma vez sequer, em qual seria o melhor de seus mundos. Mesmo na mente do mais cartesiano dos viventes essa ideia já foi vislumbrada, é certeza. Na minha, então, é constância, você pode constatar.
São inúmeras possibilidades para transformar este mundo no melhor deles, visto que a cronologia já é avançada e pensamento onírico se fez presente desde o berço. E para que este texto não se estenda, vou me ater no ponto que me fez ter vontade de contar para você.
Em um dos melhores mundos, eu não só saberia o que meus cachorros querem pelos olhares deles. Eles falariam. Ah, como seria doce. Imagine todo aquele amor do olhar deles em palavras... Imagine todos os cães do mundo falando do amor deles para os solitários. Imagine a felicidade que cobriria a Terra, na voz dos caninos. Afeto espalhado em sons. Não, não estou dizendo que eles parariam de latir. Adoro seus latidos de alegria quando chegamos, ou de reclamação quando veem alguém que não conhecem. Mas, eles teriam a chance de nos dizer em sons humanos tudo aquilo que nos oferecem em seus olhares derretidos de carinho.
Pense em seu cachorro respondendo para você que está linda com esta roupa e que hoje é seu dia de sorte no trabalho. Pense que este amigo vai te incentivar e te dizer que é para continuar a ter fé, porque as coisas vão mudar e sua hora de brilhar vai chegar, você lutou por isso e merece, siga em frente, não desanime. E, assim, você vai para a rua, para o seu dia, cheia de ânimo, e, como o sol, durante doze horas ininterruptas, brilha e brilha e brilha.
E quando à noite você voltar, pense duas vezes em lhe negar o passeio na calçada. Vocês dois merecem esse momento de cumplicidade. Ele quer novos cheiros. Quer também fofoca com outros cães, focinhos e ânus. Depois do passeio, você pode dar-lhe muita água, lave seu focinho e deixe que ele lhe dê muitos beijinhos. Retribuição é vocabulário deles. E, sim, você vai ouvir aqueles latidos de alegria, ver o rabo abanando pra lá e pra cá.
E vai ser bom ouvir também:
– Ei! Faz carinho na minha barriga? Eu gosto tanto...
Se não dá para ouvirmos a voz dos cães, que saibamos ler seus olhares. Porque é isso que eles nos dizem com seu amor incondicional de cão. Comece a prestar atenção em palavras pequenas e em seu significado: amor, cão, paz. Amizade e cumplicidade são maiores. É pra prestar atenção nelas também. Porque é o significado da vida que fica maior.


   


segunda-feira, 6 de junho de 2016

Mandacaru sem flor



É de uma tristeza sem par que eu falo
O cheiro da terra e da poeira seca
Que o sol castigava para nos atingir

As árvores tortas e o mandacaru sem flor
Reflexos do que éramos
Retorcidos no estômago e inférteis na dor

Só a fé inabalável contra tudo seco ao redor
Padre Cícero, diretriz em pousar os pés no caminho e
Ter força para levantá-los a criar um novo passo

Olhos no ermo da vida sofrida
Contínua em sofrimento, escassa de água
De um açude limpo e uma sorte melhor

Na cidade enfim, construções erguidas
Com meu suor e a seiva de um veio vazio
Estrutura do corpo e da luta ferrenha

O urbano abocanha a esperança
Em ter um barraco, um teto, um pouso
Decentes em gozo de um descanso pleno

Anos e anos na crença da vitória
Que não chega e aparta o sofrer para o horizonte
Em que nada nasce, em que a dor se agiganta

Saudade do sertão, do mandacaru sem flor
Das cabras tangidas e mortas sob a luz
De um sol inclemente onde eu era senhor

Volto pra terra seca, longe da cachaça
Que destrói a mim e aos meus sem pudor
Volto pro sertão e para a falta de tudo

Lá minha alma se enche de cor
Distante do cinza que domina o sul
Sertão onde o mandacaru talvez dê flor

É lá que o sertanejo crê que a morte certeira
É benção de Deus e alívio de um pobre
Que olhou a vida com fé e algum destemor.