É essa pasmaceira que eu não tô
aguentando muito, não. É muita linha reta. No início, há dois anos, fiquei todo
satisfeito, me achando o cara, melhor que os meus colegas que ficaram pra trás,
lá na Praça Sete. Mas, agora eu tô como? Tô achando essa direção certa, duas
horas só parando em sinais de trânsito e estações marcadas uma chatice só.
São quase 30
quilômetros da Alvorada até Pingo D’Água. Tô há um ano neste ramal. É muita
linha reta. O fiscal nem pra me botar no Alvorada-Galeão, que eu sei que tem
curva e trânsito ao lado pra distrair a cabeça. Até o Pingo D’Água é só mato.
Não tô aguentando.
Esse mato
todo me dá umas ideias... Pode ter sido coisa da Eliane. Foi ela que botou na
minha cabeça o plano de ser piloto de BRT. Eu tava há tanto tempo na 434, Vila
Isabel-Leblon. Muito antes da gente se ajuntar. Acho que já fazia uns dez anos.
Era bom jogar meu carro barulhento em cima dos barbeiros arregados. Tinha a conversa
macia das princesas que sentavam no meu motor quente pra combinar uma cerva
depois de correr a última. Correr mesmo, tá ligado, a última viagem a gente
faz voando, hahaha, os passageiros que se segurem mesmo, o que a gente quer é
entregar o carro pro maluco seguinte, depois de contar o dinheiro das passagens
e a quantidade de riocard que passou.
Mas as
minas, as minas, que falta que eu sinto. Que falta que eu sinto das cervas ali
mesmo no Três Alves da Praça Sete, depois de largar. Dos beijos traíras com
gosto de cigarro e cerveja e churrasquinho de gato. Das conversas sobre os
arranhões na lataria e pontos na carteira. Acho que tô com quebranto de tanta
saudade.
Como foi
que Eliane conseguiu me convencer eu não sei, porque até do calor nos
engarrafamentos na Nossa Senhora de Copacabana eu gostava. E eu sei que só fui
contratado pelo BRT porque não tinha pontos na carteira. Também me saí bem na
prova prática e teórica. Mas ela me convenceu muito fácil. Deve ter amarração
nessa história.
Eu sei que
até o ar-condicionado desse BRT tá me irritando, meus dedos ficam gelados.
Queria poder subir minha calça preta de tergal até os joelhos e acelerar forte
três vezes para espantar a madame no honda fit da frente. Queria sentir o suor
escorrendo pela minha testa e beber minha água na garrafa pet enquanto faço
aquela curva depois do Santa Bárbara e ainda assim, segurar aquele volante
trepidante com força. Tudo isso sendo filmado pela gata sentada no meu motor.
Não vou nem
precisar ir na Mãe Candinha: se tinha amarração, já tá desfeita, sou caboclo
forte. Vou dar uma ligada pro Josué, aquele supervisor parça pra saber se dá
pra eu voltar. 434 de novo, muitas curvas, calor e aquelas minas sentadas no
meu motor: vai tá tranquilo, vai tá favorável.