domingo, 20 de setembro de 2015

Divergentes



É a partir daqui que divirjo. É a marca que fiz com o cuspe para que ninguém pise. E me laureio com o direito de não expressar o motivo de tamanha estranheza. Não tangencio mais. Muito menos penetro.
Rasgo em duas a pétala da orquídea com que me tocava em teu nome. Enxergo que é assim que ela deve ser: pé e tala para curar quem já não pode caminhar. Divergentes em seus anima e animus, já não encontram semelhança, parentesco, igualdade. Já não encontram terra porque não buscam cosmos.
Seguir caminho pautado em linhas escritas displicentemente, sem pressa, sem peso, sabendo do ritmo do tempo lento, do mover do pé na tala, prudente e generosa consigo, numa arte exposta no pilar dos que não suportam a vida. E a inventam na fabulação dos dias transcorridos numa abóbada interna, fornecendo de dentro para fruírem de fora.
Ser ainda vento a alimentar brasa que findará cinza. Não há força que impeça o vento de ventar. De agir. De gerar energia e girar moinho. Produzir prática enquanto a paz chega aos poucos numa medida homeopática, conta-gotas de beija-flores de um polinizar sozinho.
Vivenciar o devir-estrada, no ponto exato de abandonar tala e seguir pé, convergindo mundo e margeando ilusões, no afã de aproveitar o trajeto, significando o destino.
Divergente, sim. Congruente em seu sentido maior, contudo. 







domingo, 13 de setembro de 2015

Vida pagã


Ter o que dizer
Dizer mais que escrever
Mais profundo
E denso
Para que quatro deles
Falem sobre mim
Outros Marcos, Mateus,
Lucas e João.
Mas que o que eu diga preste,
Não para salvar o mundo
Mas que salve
Ao menos a mim.
Que o que eu diga
Seja pedra de Sísifo
A cada vez que desce
Venha com novo sentido:
Que eu me salve desta vida vã.
Que o que eu diga
Seja asa de Ícaro
A cada voo insano
Derreta a cera
Da certeza dura:
Que eu me salve desta vida vilã.
Que o que eu diga
Seja flecha de Eros
A cada tensão pura
Enrijeça a tez nua
De uma escrava tua:
Sem me salvar desta vida pagã.

sábado, 12 de setembro de 2015

Agora durmo



            Agora procuro nos cachos dos seus cabelos a condição de estar acordada, para passar noites olhando você ressonar.  E me lembrar constantemente do primeiro encontro dos nossos seios, que buscavam o encostar dos nossos corações para transformar minha existência neste passar do sol e das estrelas de forma leve.
            Agora eu durmo. Durmo porque encontrei nos seus lábios compreensão e amizade capazes de afugentar o medo e a angústia de ser silenciosa nas noites em que as pálpebras não se fechavam e as lâmpadas acesas brilhavam tão agudas que feriam meus lençóis despertos.
            Amada minha, agora tento manter em minha mente a sensação indescritível de nós duas caminhando pelas ruas de mãos dadas, como as amantes que somos, mas o sono me abraça, me trazendo a certeza de ter encontrado quem eu realmente sou, quando dormi com você. E o sono me leva, e o que sei é que quando acordar, a primeira imagem que verei será o seu rosto, que tanto amo e esperarei você me perguntar, ao acordar, se dormi bem.